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HPV Livro: 11. HPV em Coloproctologia

Sérgio Eduardo Alonso Araujo
Guilherme Cotti
Angelita Habr-Gama


A importância do papilomavírus humano (HPV) na coloproctologia tornou-se bem estabelecida nos últimos anos. Contudo, seu papel como agente causador ou coadjuvante de algumas patologias ano-retais permanece ainda motivo de grande investigação e discussão na literatura.

Entre as afecções colorretais relacionadas ao HPV estão: o condiloma acuminado, a neoplasia epitelial intra-anal (NIA) e o câncer do canal anal.

Condiloma Acuminado

O condiloma acuminado é uma das doenças sexualmente transmissíveis de maior prevalência na atualidade, tendo como agente etiológico o HPV 1. Nos Estados Unidos constitui a doença sexualmente transmissível causada por vírus mais freqüente na prática clínica e apresenta incidência em franca ascensão 2. A faixa etária mais freqüentemente acometida vai dos 15 aos 30 anos de idade e a incidência é semelhante entre os sexos masculino e feminino.

Embora possa acometer homens e mulheres heterossexuais, é mais freqüentemente observada em homossexuais do sexo masculino, com incidência ainda mais elevada nos pacientes portadores do HIV 2,3,4,5. Além disso, a doença não se restringe aos praticantes do sexo anal uma vez que o vírus pode atingir a região perianal a partir da vagina, nas mulheres, e da base do escroto, nos homens. O principal modo de transmissão é o contato físico, quando o contágio pelo HPV costuma ocorrer através de regiões da epiderme ou mucosa inflamadas, laceradas ou mesmo nas regiões de microtraumas decorrentes do ato sexual, que consitui a forma de contaminação mais freqüente. Entre as outras vias de transmissão, muito mais raras, estão o contato através de fômites e a possibilidade de transmissão vertical. É importante ressaltar que, embora crianças costumem apresentar-se com condilomas genitais sem nenhuma evidência de contato sexual, a possibilidade de abuso sexual deve ser sempre considerada pelo médico 6.

Os principais tipos de HPV associados com o condiloma acuminado são os sorotipos 6 e 11 7,8,9. Apesar de ainda pouco elucidada do ponto de vista molecular, sabe-se que a interação entre a cepa do HPV com o sistema imune do hospedeiro é o principal determinante do efeito patogênico. Assim, pacientes imunossuprimidos, seja por drogas, como no uso crônico de corticoterapia ou imunossupressão pós transplante de órgãos, como no acometimento pelo HIV, apresentam maior incidência de condilomas. 5,10

Quadro clínico

A queixa mais comum na presença do condiloma acuminado perianal é a presença da própria lesão, que pode variar desde uma tumoração séssil ou elevada, única ou múltipla, com diâmetros diversos, superfície lisa ou rugosa, ou o clássico aspecto em “couve-flor” (Fig. 11.1). Costuma ser assintomática, mas eventualmente queixas de prurido, sangramento, desconforto ou dor perianal, além de odor desagradável podem estar presentes.

Exame Físico e Proctológico

Durante o exame físico, a inspeção da região perianal revela o achado do condiloma anal. O achado mais freqüente é o de lesões múltiplas, pequenas, discretas e elevadas, de coloração rósea ou cinzenta, contendo vegetações e irregularidades (Fig. 11.2). Podem ser sésseis ou subpediculadas, e podem coalescer dando origem a tumorações de grandes proporções.

A realização de exame proctológico completo é mandatória, com exame digital e anuscopia, uma vez que é muito freqüente a extensão das lesões ao interior do canal anal e reto distal, especialmente nos homossexuais masculinos, ocorrendo em mais de 75% dos casos em diversas séries (Fig. 11.3)11,12. É importante ressaltar que a recorrência das lesões é a regra quando o tratamento dos condilomas perianais ocorre de forma isolada, sem tratamento concomitante das lesões do canal anal 13.

Além disso, a inspeção dos órgãos genitais e, nas mulheres, realização de exame ginecológico completo também é essencial para descartar lesões sincrônicas.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial inclui: condiloma lata (sifilítico), líquen plano, queratose seborreica, molusco contagioso, queratomas, escabiose, doença de Crohn perianal, plicomas anais, nevos melanocíticos e o tumor de Buschke-Lowenstein.

Obviamente, outras doenças sexualmente transmissíveis, além de constituírem diagnóstico diferencial, podem coexistir com o condiloma acuminado e devem sempre ser descartadas. Quando houver dúvida diagnóstica, a confirmação deve ser obtida através de exame anatomopatológico.

Tratamento

O diagnóstico de condiloma acuminado requer a instituição de alguma forma de tratamento em função de se tratar de doença sexualmente transmissível e pelo risco de desenvolvimento de carcinoma epidermóide associado aos sorotipos oncogênicos, uma vez que a genotipagem muitas vezes não é rotineiramente realizada em nosso meio devido ainda ao seu alto custo.

Inúmeras formas de tratamento são descritas na tentativa da erradicação do condiloma acuminado: o tratamento clínico pela aplicação de agentes cáusticos (podofilina, ácido tricloroacético e ácido nítrico), pela quimioterapia tópica (5-fluoracil e bleomicina), pela imunoterapia (imiquimod e interferon-alfa) e o tratamento cirúrgico (crioterapia, eletrocoagulação, ablação por laser e excisão).

Podofilina

A podofilina é um agente citotóxico efetivo no tratamento do condiloma acuminado. Normalmente utiliza-se a podofinila numa concentração de 25%, embora esta possa variar entre 5% e 50%.

A aplicação deve ser realizada exatamente sobre as lesões uma vez que a podofilina é extremamente irritante para a pele adjacente e orienta-se o paciente a lavar a região após 6 a 8 horas da aplicação na tentativa de evitar-se irritação cutânea. Aplicações únicas raramente são efetivas e o tratamento é repetido a intervalos semanais.

A podofilina é obtida de duas plantas, Podophyllum emodi e Podophyllum peltatum, e contém muitas substâncias ativas. A podofilotoxina, um dos componentes ativos da podofilina mais bem estudados, parece ser o derivado mais efetivo no tratamento do condiloma acuminado. Sua taxa de erradicação dos condilomas é ao redor de 50%, embora a recorrência possa atingir valores de até 91% 14.

Ácido bicloroacético

O ácido bicloroacético é um potente agente cáustico que pode ser empregado com sucesso no tratamento do condiloma acuminado desde as primeiras observações realizadas por Swerdlow e Salvati em 1971 15. Como a podofilina, é de simples aplicação e baixo custo. O ácido bicloroacético também deve ser aplicado apenas nas próprias lesões, que quando quimicamente cauterizadas têm sua coloração rósea alterada para um tom branco pálido. As aplicações costumam ser repetidas em intervalos de 7 a 10 dias. Além disto, o ácido bicloroacético tem ainda como vantagem a possibilidade de ser aplicado no tratamento das lesões situadas no canal anal. Os principais problemas são basicamente os mesmos da podofilina: múltiplas aplicações ambulatoriais, irritação cutânea e desconforto perianal.

Imunoterapia

A tentativa de utilização de vacina autóloga no tratamento do condiloma acuminado foi descrito pela primeira vez por Biberstein em 1944 16 e voltou a cena recentemente pelos estudos de Abcarian e Sharon 17. A técnica envolve a utilização de cerca de 5g de tecido ressecados cirurgicamente e manipulados para confecção de vacina autóloga. Após, aplica-se semanalmente 0,5ml da vacina por via muscular por 6 semanas consecutivas. Apesar dos mecanismos de regressão das lesões nesta técnica permanecem desconhecidos, as taxas de sucesso são bastante otimistas. No trabalho clássico de Abcarian e Sharon 17, apenas 5% dos 200 pacientes não se beneficiaram do tratamento adjuvante com a vacina. Num tempo médio de seguimento de 46 meses, a taxa de erradicação completa foi de 84% e nos 11% restantes houve grande redução da “massa” de condilomas, com lesões residuais de pequenas proporções. Não houve reações adversas ou complicações associadas ao tratamento.

A imunoterapia com vacina está indicada para o tratamento das lesões grandes para as quais o tratamento tópico é ineficaz e o cirúrgico pode levar à necessidade de enxertia ou defeito de cicatrização. Há dificuldade em nosso meio de obtenção e manipulação da vacina, e os riscos de contaminação com o vírus devem ser considerados.

Interferon

O interferon, através de suas propriedades antiproliferativas e antivirais, demonstrou-se agente efetivo no tratamento do condiloma acuminado. Vários trabalhos avaliaram a eficácia do tratamento com interferon através de diferentes esquemas terapêuticos: injeção do interferon intralesional, injeção nos quadrantes do canal anal após excisão cirúrgica e uso exclusivo de interferon em pacientes sem tratamento prévio do condiloma 18. Estes estudos apontam para um benefício no uso do interferon, exclusivo ou como tratamento adjuvante, com taxas de controle das lesões variando entre 50% e 70% e diminuição da taxa de recidiva, que ficava ao redor de 10% a 25% 19,20.

As aplicações costumam ser repetidas ao longo de período que varia entre 2 e 3 meses, e os efeitos clínicos demoram algumas semanas até aparecerem. É tratamento dispendioso e caro e entre os efeitos colaterais mais freqüentes estão mialgia, cansaço, calafrios, febre, cefaléia e leucopenia.

Apesar dos trabalhos apontando para o benefício da utilização do interferon em combinação com outras modalidades terapêuticas no tratamento do condiloma acuminado, são necessários estudos mais bem controlados e com maior nível de evidência para que este tratamento seja aceito como padrão no tratamento dos condilomas perianais.

A indicação do uso de interferon é semenhante à da imunoterapia: lesões extensas onde o tratamento tópico habitual apresenta taxas de resposta muito baixas e o tratamento cirúrgico requer ressecções muito amplas, com elevada morbidade.

Eletrocoagulação

A eletrocoagulação é método efetivo para destruição do condiloma acuminado, especialmente as lesões de pequenas dimensões. O objetivo para controle efetivo é promover uma queimadura de segundo grau na região acometida (coágulo esbranquiçado). Deve-se evitar a realização de queimaduras de terceiro grau (escara enegrecida), especialmente quando a área de tratamento for mais extensa, para evitar a cicatrização com fibrose e risco de estenose. Quando atua-se sobre transição ano-retal, além do risco de estenose, deve-se atentar para qualquer lesão inadvertida da musculatura esfincteriana. É sempre interessante remover cirurgicamente algumas das lesões para confirmação do diagnóstico anatomopatológico. Numa revisão realizada por Mayeaux, o emprego da eletrocoagulação resultou numa taxa de sucesso de 93% na eliminação dos condilomas, com taxa de recorrência de 24% num intervalo de 6 meses de seguimento 21.

Excisão cirúrgica

A exérese cirúrgica constitui outra modalidade terapêutica freqüentemente utilizada no tratamento do condiloma acuminado. É a única modalidade de tratamento que garante diagnóstico anatomopatológico uma vez que todos os outros métodos promovem destruição do tecido. Pode ser realizada com anestesia local ou geral, dependendo da extensão da lesão. A injeção de solução de adrenalina 1:200.000 ou solução salina no subcutâneo e submucosa é medida que auxilia na ressecção dos condilomas poupando ao máximo os tecidos adjacentes sadios e evitando a confecção de feridas mais profundas, o que diminui o tempo de cicatrização. As lesões do canal anal coexistem com condilomas perianais em até 75% dos casos e podem ser tratadas simultaneamente.

A excisão cirúrgica muitas vezes acompanha-se de dor e desconforto anal importantes, e lesões muito numerosas podem ser tratadas em 2 tempos. Entre as outras complicações mais freqüentes associadas à ressecção cirúrgica estão o sangramento e hematoma da região, além do risco de estenose.

Os resultados da excisão cirúrgica são semelhantes aos da eletrocoagulação e, de fato, na mesma revisão de Mayeaux 21, a taxa de sucesso e recorrência foi também de 93% e 24%, respectivamente para a excisão cirúrgica. Na prática, estes dois métodos são utilizados em associação.

Recomendações

Embora os dados da literatura não permitam o estabelecimento de diretrizes formais para a abordagem do condiloma acuminado, como forma prática pode-se, após completa avaliação inicial, nos casos de condilomas perianais exclusivos, iniciar tratamento com agentes tópicos como a podofilina ou o ácido bicloroacético. Caso não haja controle efetivo, dá-se então preferência à excisão cirúrgica e eletrocoagulação. Quando coexistem lesões no canal anal, a excisão cirúrgica com eletrocoagulação é o método de escolha.

Condiloma Acuminado Gigante (Tumor de Buschke-Löwenstein)

O tumor de Buschke-Löwenstein, também conhecido como condiloma acuminado gigante, é uma variante do condiloma perianal que, além das grandes proporções locais, apresenta um comportamento maligno do ponto de vista local, em função da propensão para apresentar infiltração de tecidos adjacentes, especialmente o tecido celular subcutâneo e o plano muscular (Fig. 11.4)22.

Alguns autores acreditam que o tumor de Buschke-Löwenstein represente uma forma intermediária entre o condiloma acuminado e o carcinoma espinocelular. De fato, é considerado como neoplasia de potencial maligno intermediário e a degeneração celular costuma ocorrer em cerca de um terço dos casos 23,24.

O tratamento inicial de escolha é a ressecção cirúrgica visando a obtenção de margens de ressecção livre de acometimento tumoral. Nestes casos, nenuhm tratamento adjuvante faz-se necessário. Todavia, em casos de recidiva ou casos onde a lesão é grande o suficiente a ponto de ser considerada irressecável, diversos trabalhos vêm mostrando papel importante da utilização de radioterapia e/ou quimioterapia, associadamente à ressecção cirúrgica 22.

Neoplasia Anal Intra-epitelial

Aceita-se atualmente que a neoplasia anal intra-epitelial (NAI) constitua uma lesão precursora do carcinoma espinocelular do ânus. Entretanto, a história natural desta condição permanece desconhecida, uma vez que a real prevalência do HPV na população é desconhecida e pelo fato de que muitas destas lesões podem apresentar regressão espontânea 25,26. Além disso, uma vez que a NAI apresenta importante relação com imunossupressão, especialmente em pacientes HIV-positivos, é muito difícil a interpretação de dados de prevalência e agressividade das lesões, pois sua prevalência e comportamento podem ser afetados pelo estado imunológico e sobrevida destes pacientes.

A associação entre a NAI, carcinoma espinocelular do ânus e um agente sexualmente transmissível foi descrita pela primeira vez por Cooper 27, baseado em estudos epidemiológicos. Posteriormente, análises de biologia molecular permitiram confirmar a suspeita e identificar o HPV como tal agente, especialmente os tipos 16 e 18 28,29,30.

Não só a incidência e risco de progressão das NAI para carcinoma invasivo em pacientes de risco é desconhecida, como também permanece incerto o efeito do tratamento destas lesões sobre a incidência de carcinoma invasivo. Embora a incidência global de câncer do ânus em homossexuais masculinos HIV-positivos venha aumentando, e o risco relativo de câncer do ânus nesses pacientes seja 8 a 14 vezes maior do que em homens HIV-negativos, a associação entre condiloma acuminado, NAI e câncer permanece incerta 31,32. Além disso e apesar da progressão das NAIs para carcinoma ocorrer num intervalo de anos, estudos preliminares sobre o efeito dos modernos tratamentos medicamentosos da AIDS, capazes de melhorar o status imunológico dos pacientes, não evidenciaram alterações na incidência ou regressão das NAIs de alto grau em homens homossexuais 33.

Muitos dos atuais dados das NAI são na verdade derivados dos estudos que investigaram a história natural das neoplasias cervicais ou vulvares intraepiteliais (NIC e VIN) e devem ser vistos com ressalvas. Sorotipos de HPV de alto risco são detectados em 80% a 90% das NIC III, dos carcinomas espinocelulares de colo uterino e nos linfonodos metastáticos destas lesões 34,35. Estima-se que a transformação maligna das NIC atinja até 30% após períodos de seguimento prolongado 36. Entre os poucos estudos longitudinais das NAI, alguns apontam para alta taxa de regressão das formas iniciais de NAI, com menos de 5% de progressão para câncer invasivo, o que torne talvez estas entidades não totalmente comparáveis 37,38.

Classificação

A classificação anatomopatológica das NAI é bem definida e foi derivada da revisão do sistema de Bethesda para classificação das alterações do colo uterino 39. As alterações no epitélio anal ocorrem na ausência de infiltrado inflamatório e sem infiltração através da membrana basal, conforme a classificação empregada para as neoplasias cervicais intraepiteliais. Estas alterações morfológicas incluem: perda de estratificação e polaridade nuclear, pleomorfismo nuclear e densificação da cromatina e, ocasionalmente, coilocitose. Obviamente, um conhecimento apurado sobre o epitélio transicional da região anal é imperativo para esta classificação.

Na NAI tipo I, as anormalidades celulares estão restritas ao terço inferior do epitélio, nas NAI tipo II restringem-se aos dois terços inferiores e, nas NAI tipo III acometem a espessura total do epitélio. Há autores que utilizam uma classificação destas lesões intraepiteliais com 2 categorias: lesões de alto grau (equivalentes das NAI tipo II e III) e lesões de baixo grau (equivalentes das NAI tipo I).

Os condilomas perianais externos geralmente não são acompanhados de atipia celular e se encontram associados aos subtipos de baixo potencial oncogênico do HPV. Já nos enquanto nos condilomas do canal anal, há presença de displasia em até um terço dos casos, com maior incidência de NAI de alto grau.

Outras alterações anatomopatológicas mais recentemente descritas nas NAI são, à semelhança do observados nas NIC, uma maior ocorrência de angiogênese e menor taxa de apoptose quando comparados com anoderme normal, corroborando o potencial pré-maligno das mesmas.

Embora ainda em fase muito inicial, estudos no campo da biologia molecular das NAI devem ajudar a compreender melhor a história natural e real potencial degenerativo destas lesões, permitindo diferenciar indivíduos com NAI de alto risco para o desenvolvimento de carcinoma invasivo e um grupo com baixo risco.

Diagnóstico

O diagnóstico das NAI inicia-se na anamnese através da identificação de fatores de risco como: história de múltiplos parceiros sexuais, homossexualismo, história de condilomas anais ou neoplasia e diagnóstico prévio de outras doenças sexualmente transmissíveis, incluindo o HIV.

Para esta população de risco, a anuscopia com magnificação deve ser realizada por coloproctologista familiarizado com o método, utilizando ácido acético a 5%, nos mesmos moldes da colposcopia. Além de alterações grosseiras à macroscopia, alterações como a densidade da coloração esbranquiçada, padrão de vascularização aberrante, calcetamento mucoso e mosaicismo, entre outras, auxiliam na identificação das áreas a serem biopsiadas, objetivando confirmar o diagnóstico de NAI (Fig. 11.5 e 11.6). Além disto, há autores que defendem que todo o tecido retirado da região, incluindo tecido hemorroidário, seja sempre submetido à exame anatomopatológico, uma vez que o diagnóstico de NAI pode ser incidental, especialmente em pacientes HIV positivos.

A citologia anal, quando realizada, deve ser analisada por citopatologista com experiência em interpretação de colpocitologia oncótica cervical. A obtenção de amostra adequada é motivo de controvérsia, especialmente na presença de contaminação fecal, e baseia-se na celularidade e presença de metaplasia escamosa. A amostra deve ser coletada com swab embebido em água, introduzido cerca de 1,5 a 2cm no canal anal, preferencialmente na parede posterior do reto, e retirado em movimentos circulares. Deve-se evitar a coleta após manilupação retal, enemas ou sexo anal. Em geral, a NAI de baixo grau são subdiagnosticadas, por dificuldade na interpretação do exame, o que dificulta ainda mais o conhecimento da história natural destas lesões.

Tratamento e Seguimento

A dificuldade em se determinar populações de risco aumentado para carcinoma invasivo do ânus, a baixa prevalência desta malignidade bem como a necessidade de se dispor da magnificação para orientar a vigilância torna muito difícil o estabelecimento de protocolos de tratamento e seguimento dos pacientes portadores de NAI, de forma que a literatura está longe de obter um consenso a esse respeito, especialmente nos pacientes com imunossupressão decorrente da AIDS, que apresentam mais baixa expectativa de vida. As abordagens possíveis variam entre conduta expectante até tratamento cirúrgico agressivo.

A abordagem cirúrgica pode envolver ressecção local ampliada das lesões com fechamento primário da pele, retalhos de avanço (V-Y, S, C), enxerto cutâneo ou anoplastia. É importante ressaltar que o maior problema deste tratamento acompanha-se de alta morbidade e apresenta taxas de recorrência (ou persistência) das NAI de alto grau entre 10 e 25%, mesmo quando se utiliza minucioso mapeamento pré-operatório do epitélio 40. Terapias ablativas locais como eletrofulguração, crioterapia, e ablação por laser constituem alternativas com menor morbidade que vêm ganhando muitos adeptos como alternativa à ressecções ampliadas. Geralmente são necessárias múltiplas sessões, especialmente em lesões extensas ou em caso de persistência/recorrência. Contudo, o envolvimento de áreas mais profundas da pele e anexos cutâneos ou glândulas sebáceas em até 25% a 50% das NIA tipo II ou III, que não podem ser adequadamente identificadas, pode ser uma das explicações para as altas taxas recidivas mesmo com uso da magnificação 37.

Pelo fato de muitas vezes a eliminação viral não ser possível e as taxas de recidiva serem consideráveis, a incidência associada de neoplasia anogenital ser desconhecida e o potencial de malignização provavelmente ser baixo, há quem defenda um expediente de observação e seguimento ambulatorial mesmo nas NAI de alto grau, desde que não associadas a lesões macroscopicamente evidentes (como ulcerações ou elevações) 41. Além disto, com relação às NAI tipo I e II, estas também deveriam ser conduzidas de como conservador em função da história natural desconhecida, possibilidade de regressão espontânea e maior associação com HPV tipos 6 e 11, que possuem capacidade oncogênica inferior ao tipo 16.

Ainda que não disponível qualquer consenso na literatura, entre as recomendações no manejo da NAI, Chin-Hong e Palefsky propõem o seguinte protocolo de rastreamento e conduta nas NAI 42:

1. Se citologia de Papanicolau anal normal, repetir o teste anualmente nos pacientes HIV positivos e a cada 2 ou 3 anos nos pacientes HIV negativos.

2. Se citologia de Papanicolau anal mostra alguma anormalidade, realizar anuscopia com magnificação com biópsia. Caso esta não demonstre nenhuma lesão ou alguma de gravidade inferior à suspeita da citologia do Papanicolau, repetir a anuscopia em intervalo de 3 meses. Pacientes com lesões de baixo grau devem realizar acompanhamento com anuscopias a cada 6 meses e pacientes com lesões de alto grau ou carcinoma in situ que não forem submetidos à nenhuma forma de tratamento devem repetir a anuscopia em 3 meses.

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